Um computador ligado ao mundo, um lugar com uma vista de sonho a servir de escritório e um mergulho ao fim do dia para relaxar. Este é o estilo de vida de um nómada digital, trabalhadores remotos que viajam e se estabelecem em diferentes pontos do mundo, tendo apenas como requisito necessário uma boa ligação à rede.
Um cowork onde não falta nada
Elina Mattila deixou a Finlândia para trabalhar pelo mundo há três anos. Desde então só regressou em férias, para visitar a família. Para a tradutora e bloguer de viagens, ter um espaço dedicado ao trabalho ajuda a replicar uma rotina, que é bem vinda quando se está há tanto tempo a viver de cidade em cidade.
“Já trabalhei em sítios muito estranhos, incluindo o topo de montanhas. Quando comecei esta vida de nómada digital, atravessei os Balcãs a pé, carreguei o meu computador todo o caminho. Ninguém de facto trabalha com os pés na piscina. Ficaríamos muito assustados com a ideia de deixar o portátil cair na água”, conta.
Foi na criação de um espaço com esse propósito — e com todas as condições para o teletrabalho — que a Madeira apostou, criando um projeto piloto para atrair nómadas digitais. O Digital Nomads Madeira Island arrancou no final de 2020, com o apoio do Governo Regional da Madeira, da Start Up Madeira e da NOS. O investimento inicial foi de 25 mil euros que serviram para requalificar e equipar o Centro Cultural John dos Passos, na Ponta do Sol, com internet rápida e segura. O cowork é gratuito e qualquer nómada digital pode lá trabalhar — basta estar inscrito e aparecer.
Depois do arranque, tudo aconteceu organicamente. A Madeira tornou-se conhecida em redes sociais, sites e grupos online de nómadas digitais e as inscrições foram aumentando.
Viver em comunidade
“A comunidade é a razão mais importante que me leva a qualquer sítio. Para mim é uma prioridade quando estou a escolher o sítio para onde vou a seguir. É também por isso que estes espaços de cowork são muito motivantes: consigo ir trabalhar todos os dias ao lado dos meus amigos e das pessoas que conheço. Se tento trabalhar em casa sozinha é muito difícil”, resume Elina.
A ligação entre aqueles que chegam à Ponta do Sol e a comunidade local é apontada frequentemente como um fator que tem distinguido este destino de outros, como Bali, na Indonésia, ou Chiang Mai, na Tailândia. Na Ponta do Sol, tudo está a escassos minutos a pé e todos se vão conhecendo.
Foi este ambiente social e a segurança em tempos de pandemia que mudaram as ideias de Nico Burkat, que queria, a princípio, ir para Bali ou para a Malásia. “Procurei comunidades de nómadas digitais na Europa, porque é bastante segura em termos de covid. Encontrei a Start Up Madeira, entrei no seu grupo online e foi por isso que decidi vir para cá. A comunidade é muito ativa e não consegui encontrar nenhum outro sítio comparável”, recorda.
Esta está a ser a sua primeira experiência como web developer remoto, fora do seu país de origem, a Alemanha, mas não se deixa deslumbrar com a possibilidade de ter paisagens maravilhosas como cenário do seu trabalho. Prefere, tal como Elina, manter cada coisa no seu lugar: começa às 9h no cowork e termina o dia às 17h. Tudo o que é lazer está fora desse horário. “Por exemplo, esta manhã fomos assistir ao nascer do sol das montanhas e voltámos para aqui para trabalhar”, conta, no terraço do Centro Cultural John dos Passos. “Este é o estilo de vida de que gosto e que torna a vida divertida. Não poderia fazer isso em casa, na Alemanha.”
Equilíbrio entre trabalho e lazer
A dois minutos a pé dali, está a casa onde vivem Nico e outros nómadas digitais. Referem-se a ela como coliving: uma vivenda arrendada ao quarto, com espaços comuns. É uma prova de como a comunidade local se adaptou para os acolher — criando sistemas de arrendamento mais duradouros.
Nesta casa vive também Artem Tymchenko, web developer vindo de Kiev, onde “o inverno é bastante miserável”. Na Ponta do Sol, não sofre com poucas horas de luz, frio e chuvas constantes, mesmo numa estação fria. “Sou muito mais feliz diariamente, não perco tempo nas viagens para o trabalho ou para o ginásio, ir ter com amigos ou a um restaurante. É tão simples e fácil que consigo concentrar-me mais no trabalho, ser produtivo e manter o equilíbrio certo entre o trabalho e a vida. É melhor.”
Há uns meses, Artem não sabia muito sobre a Madeira — exceto que é aqui a terra natal de Cristiano Ronaldo. Hoje já explorou toda a ilha, faz da vista do oceano o seu cenário de trabalho e participa nos workshops, aulas de fitness e yoga organizadas informalmente pela comunidade de nómadas digitais. “Depois das 16h posso fazer o que quiser. Normalmente vamos à praia ou vamos a um treino de fitness. À noite há uns quantos eventos, saímos, bebemos uns copos, conversamos. Aos fins-de-semana podemos fazer caminhadas ou ter um dia na praia. É um bom equilíbrio”, conclui Artem.
Para já, para estes três trabalhadores remotos é bom estar aqui. Mas o futuro não é ficar: as suas jornadas continuam, só dois requisitos continuarão a ser indispensáveis: “Um computador e uma ligação à internet. Isso são os básicos. Além disso, o que é mesmo importante é uma boa comunidade e bom tempo”, diz Elina Mattila. Com isto, a qualidade de vida e o tempo para novas experiências estão presentes no dia a dia e todo o mundo pode ser um local de trabalho.