Gerd Leonhard antecipou algumas das grandes mudanças tecnológicas das últimas décadas. Agora, o conhecido futurista alemão acredita que “a lista de oportunidades do 5G tem milhas de comprimento” e que podemos resolver os principais problemas do mundo com tecnologia. Mas lembra que se trata essencialmente de “uma ferramenta”, porque “o futuro do trabalho é humano”.
“Acredito que teremos toda a tecnologia e ciência necessárias para resolver todos os nossos principais problemas”, afirma Gerd Leonhard, futurista humanista alemão, sobre a constante evolução tecnológica, da qual o 5G é o salto mais recente. E dá como exemplo de todo o progresso recente o desenvolvimento de vacinas para a Covid-19 “em 12 meses, quando normalmente demora 15 anos a acontecer”. Para Leonhard, “seja em termos de energia, alimentação, água, viagens espaciais, educação, estamos a resolver coisas”. No fundo, estamos a fazer o que ninguém fez, e o 5G vai acelerar essa transformação.
O conhecido autor e orador, especializado em antecipar os caminhos da tecnologia com previsões a 5/10 anos, está “muito entusiamado com o 5G”, rede que já usa em Zurique, onde vive, e diz mesmo que “é fantástico termos estas tecnologias”. Vê inúmeras aplicações na nova rede móvel, destacando a área ambiental e a descabonização, com o 5G a abrir o caminho para as cidades inteligentes, permitindo “agir a tempo, prever, prevenir”; a agricultura, onde, com a conexão dos equipamentos à IoT, “de repente vamos poder alimentar mais pessoas”; ou a educação e aprendizagem em geral: “Se eu conseguir aprender a montar a minha mota ou arranjar a rede de telecomunicações através de realidade virtual, vou ser 100 vezes mais rápido. É sobre-humano”.
Com o 5G, “se eu conseguir aprender a montar a minha mota através de realidade virtual, vou ser 100 vezes mais rápido. É sobre-humano.
Gerd Leonhard afirma mesmo que “basta pegar num negócio anterior, seja agricultura, medicina, ou administração pública, e colocá-lo no que chamamos o ‘conversor inteligente’, conectado com 5G e Inteligência Artificial, e do outro lado sai um negócio inteligente. Isso vai ser uma expansão gigantesca para a economia e a indústria, em Portugal e em qualquer lado”.
O futuro do trabalho é humano
As aplicações do 5G vão trazer um enorme nível de robotização e automação à sociedade em geral. Gerd Leonhard antecipa que “vamos ver a rotina ser feita por máquinas inteligentes, por assistentes inteligentes”, o que deixa menos espaço para os trabalhos mais rotineiros. Por outro lado, se uma máquina passa a controlar um trator e outros equipamentos agrícolas, “o agricultor pode estar a estudar a nova geração de sementes”. Acima de tudo defende que as pessoas em geral têm de “desaprender e reaprender, ganhar novas competências e traços de carácter que as máquinas não conseguem ter”, porque “as máquinas não têm emoções, não têm entendimento”.
As pessoas têm de desaprender e reaprender, ganhar traços de carácter que as máquinas não conseguem ter”, porque “o futuro do trabalho é humano.
Leonhard acredita que “o futuro do trabalho é humano”, e a tecnologia permite essencialmente que as pessoas desenvolvam mais a criatividade, o engenho, a imaginação, libertando-se do que é mais mecânico. E o 5G tem todas estas possibilidades “de criar efeitos paralelos positivos” na sociedade. “Humanos fantásticos em cima de tecnologia incrível”, é esta a mensagem de equilíbrio entre pessoas e máquinas que Leonhard tenta passar nas suas conferências.
Tecnologia como ferramenta
Para o futurista alemão há duas ideias que devemos ter sempre em mente quando usamos o 5G, que é uma ferramenta, e que tão imporante como ligar, é também conseguir desligar. Gerd Leonhard explica que “a tecnologia não é boa ou má em si, é uma ferramenta. se tivermos uma ferramenta, temos de decidir o que queremos fazer com essa ferramenta e se é boa para outras pessoas que estejam a usá-la ou a usar outras ferramentas”.
No caso do 5G, entende que as operadoras de telecomunicações já não são apenas fornecedoras de rede, têm um papel mais importante no seu sector e na sociedade: “Têm de dar instruções e ajudar a construir negócios no 5G, mostrar que possibilidades existem. E têm também de assumir a segurança, a proteção e a ética baseada no serviço”. Principalmente porque o 5G é “moralmente neutro, mas a forma de o usar nunca poderia ser neutra, temos de encontrar novas regras e definições sobre o que é bom”, continua Leonhard, avançando que “qualquer telecom que fixe a sua bandeira e diga que é pelas pessoas, pelo planeta, por um propósito, pela prosperidade, e não apenas infraestrutura, vai ganhar”.
No 5G, “qualquer telecom que diga que é pelas pessoas, pelo planeta, por um propósito, pela prosperidade, e não apenas pela infraestrutura, vai ganhar.
No fundo, é bom ter a tecnologia sempre disponível, ao serviço das pessoas, das empresas, dos governos e da sociedade em geral, não devemos é viver apenas em função da mesma. “Temos de ajudar as pessoas a usar o 5G, e também a não o usar se é o que precisam”, continua o futurista. Acredita que “na Europa em geral as pessoas são humanistas. Especialmente em Portugal, há uma tendência humanista muito forte na sociedade”.
Gerd Leonhard, o músico que tinha ideias cedo demais
Nascido em Bona, na Alemanha, Gerd Leonhard começou por estudar Teologia na cidade natal, mas mudou-se para os Estados Unidos, onde se inscreveu no Berklee College of Music, em Boston. Tornou-se músico e produtor, atividades que foi cruzando com os seus interesses em tecnologia, em disrupção, e na internet quando esta surgiu. Recorda que teve uma ideia muito semelhante ao que é hoje o Spotify, mas vários anos antes de haver tecnologia que a suportasse. “Apercebi-me de que era bom a antecipar o futuro. Era sempre demasiado cedo para eu implementar as minhas ideias, era mais fácil falar sobre elas e ajudar outros”, contou na nossa entrevista.
Era sempre demasiado cedo para eu implementar as minhas ideias, era mais fácil falar sobre elas e ajudar outros.
Aos 59 anos, a viver na Suíça, Leonhard é considerado um dos maiores influenciadores e pensadores dos efeitos e do equilíbrio entre tecnologia e sociedade. Depois de um primeiro livro, O Futuro da Música, em 2005 - em que abordou temas que já tinha desenvolvido anos antes, como a cloud e o avanço da música para o digital -, escreveu O Fim do Controlo (2009), Fricção é Ficção (2010) e O Futuro dos Conteúdos (2011). A sua obra mais recente, Tecnologia versus Humanidade, de 2016, expandiu as suas ideias a todos os continentes, sendo frequentemente convidado para conferências sobre o tema. “Hoje o meu trabalho passa por ajudar empresas, governos, organizações e pessoas a perceberem o que vai acontecer nos próximos anos”, resume Gerd Leonhard, “interessá-las, prepará-las e ajudá-las a desenvolver o que eu chamo mentalidade de futuro”.